Insecta

Evolução dos insetos: grupos realmente mega-diversos

Os insetos com uma idade variando de 420 a 400 milhões de anos estão entre os primeiros invasores do ambiente terrestre. Apenas alguns outros artrópodes e poucas plantas têm registros terrestres deste período. Assim, entender a ocupação dos continentes do Siluriano passa pela compreensão da origem e evolução dos insetos. Há exemplos de vários grupos antigos que pouco de diversificaram ao longo de centenas de milhares de anos, como os caranguejos-ferradura (Limulus spp.) ou até os peixes celacantos (Latimeria spp.). Diferente, entretanto foi a história dos insetos, como veremos adiante.

Como visto nas seções anteriores, os artrópodes compõem o grupo mais diverso de organismos vivos, com cerca de 1.050.000 espécies. Entre estes, há destaque para o grupo dos insetos que apresentam aproximadamente 925.000 espécies conhecidas, ou seja, 90% de todos os artrópodes. Para ter uma melhor noção do número de espécies de insetos basta pensar que de todas as espécies conhecidas até hoje (cerca de 1.600.000), incluindo animais, plantas, fungos etc, aproximadamente 60% são insetos das mais variadas formas, cores e tamanhos (Figura 1).

Por outro ângulo, podemos analisar as quase 1 milhão de espécies de insetos conhecidas em um contexto histórico. Quando retomamos os números contidos em uma das principais enciclopédias da taxonomia, o Systema Naturae, escrita por Lineu em 1758, podemos compreender que a cada ano 3.500 novas espécies de insetos são descobertas e descritas formalmente pelos cientistas.


Figura 1. Gráfico com o número de todas as espécies conhecidas no planeta e a proporção dos grandes grupos em relação ao total (Fonte: Grimaldi & Engel, 2005).

Se formos analisar algumas estimativas de pesquisadores, os números podem ser ainda mais impressionantes. Algumas pesquisas apontam para a existência de até cerca de 5 milhões de espécies, outras, entretanto, apontam para números difíceis de imaginar, próximos dos 100 milhões. Números tão expressivos suscitaram muitas questões em diferentes períodos da história da ciência e, atualmente, alguns fatores têm sido apontados como causais para tal diversidade. Entre eles podemos citar a segmentação corporal, a esclerotização, a origem e evolução do vôo, a presença de diferentes tipos de metamorfose, incluindo a holometamorfose, e, por fim, o processo de coevolução com as plantas angiospermas.

Como pode ser visto nas seções anteriores sobre os Arthropoda, grupo que inclui os insetos, parte considerável desses fatores foi herdada, ou seja, já estava presente nos artrópodes ancestrais dos insetos. Algumas inclusive foram herdadas pelos ancestrais de Arthropoda, já estando presente em grupos aparentados e, portanto, não sendo novidade ou exclusividade dos artrópodes, apenas uma continuidade da informação genética.

A segmentação corporal ou metamerização, por exemplo, é uma característica que surgiu bem antes da origem dos Arthropoda. O corpo dividido em segmentos (ou metâmeros) está presente em diversos grupos, sendo de fácil visualização nos anelídeos (ex. minhoca). A segmentação corporal sofreu algumas modificações nos diversos grupos de artrópodes e, em insetos, o padrão de tagmose é cabeça/tórax/abdômen. Isto significa que nos ancestrais de insetos, os segmentos do corpo se tornaram regionalizados em três diferentes conjuntos ou tagmas. Os seis primeiros segmentos deram origem a cápsula cefálica ou cabeça (tagma céfalo-gnatal), tendo seus apêndices modificados em antenas e peças bucais. Os três segmentos subseqüentes compõem o tagma torácico ou simplesmente tórax, que além de manter os três pares de apêndices com a função primordial de locomoção (três pares de pernas), apresenta em grande parte dos insetos dois pares de asas no 2º e 3º segmentos (Pterygota = insetos portadores de asas). Por fim, os demais segmentos (11 nos ancestrais) que compõem o corpo dos insetos formam o abdômen, sendo seus apêndices modificados em estruturas relacionadas à respiração (grupos aquáticos), à cópula e oviposição ou apenas perdidos.

Outro fator relevante foi a esclerotização, ou seja, corpo apresentando exoesqueleto de quitina. Esta é outra característica que também já estava presente no pacote recebido pelos insetos dos seus ancestrais. O corpo dos artrópodes que deram origem aos insetos já era segmentado (metamerizado) e apresentava uma cobertura de quitina, que provavelmente esteve intimamente relacionada a invasão do ambiente terrestre (reduz a perda de água pela epiderme) e, agora, também identificamos outras funções como, por exemplo, proteção contra predadores.

Uma característica singular dos insetos entre os demais artrópodes é a presença de asas. Entre todos os animais, há apenas quatro grupos de organismos alados: os insetos, os pterossauros, aves e morcegos (em ordem cronológica de origem das asas). As asas surgem nos insetos por volta de 300 milhões de anos atrás, no período Carbonífero, pelo menos 100 milhões de anos antes da origem de asas em pterossauros ou 170 milhões, caso aceitemos o fóssil de Rhyniognatha como um representante dos Pterygota (Obs. Rhyniognatha hirsti é um fóssil constituído apenas de fragmentos de peças bucais e porções da cabeça. Entretanto, a presença de mandíbulas dicondílicas, triangulares, posiciona este inseto entre os Pterygota. Como este fóssil data do Devoniano, as datações para origem das asas em insetos regridem mais, pelo menos, 70 milhões de anos).

Várias outras características distintivas dos insetos estão relacionadas a presença de diferentes tipos de metamorfose. Há padrões de desenvolvimento sem ocorrência de larvas (ametábolos) até padrões com a existência de diversos semaforontes, incluindo ovos, larvas, pupas e adultos (holometábolos). A origem do padrão holometábolo ou metamorfose completa tem sido relacionada com aumento da diversidade de espécies, visto que cerca de 85% das espécies de insetos apresentam este tipo de metamorfose. Alguns autores relacionam a grande diversidade dos insetos holometábolos com a possibilidade dos imaturos e adultos ocuparem nichos ecológicos bem distintos, evitando a competição por recursos.

O processo de coevolução de insetos e plantas angiospermas é talvez o evento mais bem documentado de colaboração e sucesso da história de todos os organismos vivos. Quando analisamos comparativamente as grandes radiações das plantas angiospermas e das ordens de insetos, principalmente as megadiversas (Coleoptera, Lepidoptera, Diptera e Hymenoptera), podemos ver que tem inicio no final do Triássico e se estende no Cretáceo. Algumas ordens de insetos (e.g. Coleoptera) têm considerável diversificação anterior ao Cretáceo, entretanto neste período é visível a correlação do aumento do número de táxons de plantas e insetos. Além da óbvia relação de recursos alimentares e consumidores (herbivoria), há diversos formas de interação que provavelmente contribuíram mutuamente para as supracitadas radiações, entre ela podemos citar a polinização, a defesa contra herbívoros e a dispersão de sementes, atividades exercidas pelos insetos, e fornecimento de abrigo e alimento, como um retorno das plantas.

Apesar de tratarmos isoladamente alguns dos fatores, que provavelmente são responsáveis pela explosão do número de espécies dos insetos, devemos entender que o sucesso dos insetos foi por apresentar todos estes caracteres e participar simultaneamente de vários eventos e, não apenas um ou outro.

Caracterização geral:

Apesar dos insetos mais conhecidos, por vezes, serem os que estão associados com doenças humanas (ex. barbeiros (Triatoma spp.), mosquito da dengue (Aedes spp.)), problemas agrícolas (ex. bicudo do algodão (Anthonomus grandis)) ou apenas com nossos depósitos de lixo (ex. baratas (Periplaneta americana)), estes perfazem uma porção bem pequena da real diversidade entomológica. Alguns outros insetos, devido às suas características estéticas ou mesmo enigmáticas, são também um pouco conhecidos e fazem parte da história da humanidade, por terem sido utilizados como adornos ou mesmo colecionados (borboletas (ordem Lepidoptera) e besouros (ordem Coleoptera)).

Morfologia externa

De uma forma geral, os insetos caracterizam-se por apresentarem um corpo dividido em três partes: cabeça, tórax e abdômen, o que é referido como padrão de tagmose (tagma = região corporal com morfologia e funções específicas). Apenas como comparação, lembre-se que os Chelicerata (ex. aracnídeos) apresentam dois tagmas: prossoma e opistossoma. Atualmente é bastante consensual que os insetos, assim como os demais Arthropoda, evoluíram de organismos segmentares bastante parecidos, sendo que cada segmento ou metâmero apresentava um par de segmentos (Apenas para facilitar, imagine algo parecido com minhocas, com exoesqueleto e apêndices pareados ao longo de todo o corpo. Por favor, não entenda que insetos ou outros artrópodos surgiram das minhocas, é apenas um exercício de raciocínio). Com a evolução dos Arthropoda (e dos insetos em particular) houve regionalização e concomitante especialização dos metâmeros e dos respectivos apêndices. Assim, entendemos que os seis primeiros metâmeros do corpo dos insetos fusionaram-se dando origem a cabeça, os três seguintes, ao tórax e os demais, ao abdômen. Simultaneamente, os apêndices de cada parte do corpo também se modificaram de uma forma ancestral (mais similar ao que hoje conhecemos como pernas) para as mais variadas estruturas, como peças bucais (e.g. mandíbulas) e aparelho genital.

O primeiro tagma dos insetos, a cabeça (ou tagma céfalo-gnatal), é constituído pela fusão de seis segmentos e contém os olhos compostos e ocelos, os apêndices modificados em antenas e peças bucais (clípeo-labro, mandíbulas, maxilas e lábios com respectivos palpos maxilares e labiais), além da região de controle (cérebro).

No caso do tagma torácico ou apenas tórax, há três segmentos (pro-, meso- e metatórax). Estes segmentos mantiveram um par de apêndices locomotores 6-segmentados (coxa, trocanter, fêmur, tíbia, tarso, pretarso). Em um clado dos insetos, os Pterygota, os dois últimos segmentos do tórax (meso e metatórax) são também conhecidos com pterotórax, pois apresentam asas.

O tagma abdominal ou simplesmente abdômen, por sua vez, apresenta 11 segmentos + telson em táxons mais antigos de insetos, sofrendo modificações (reduções) em outros táxons. Neste tagma, houve redução dos apêndices nos adultos (exceto genitália e o par de cercos derivados dos apêndices do XI segmento), nas larvas, entretanto, os apêndices abdominais deram origem a várias estruturas, entre elas as branquiais dos insetos aquáticos.

Tipos de metamorfose:

  • Ametábolos (sem metamorfose): as formas jovens são muito similares aos adultos, exceto pelo tamanho corporal e aparelho reprodutor, e apresentam geralmente o mesmo habitat. Não há estágio larval. Há exemplos em ordens de insetos apterigotos (Collembola, Protura, Diplura, Thysanura).
  • Hemimetábolos (metamorfose incompleta): as ninfas vivem na água e têm morfologia diferente (estruturas bastante distintas) dos adultos (e.g. brânquias, aparelho bucal). Há exemplos nas ordens de insetos aquáticos (Odonata, Ephemeroptera e Plecoptera).
  • Paurometábolos (metamorfose gradual): as ninfas e os adultos não diferem quanto a forma e estilo de vida, mas há mudanças graduais e inconspícuas no tamanho, desenvolvimento dos ocelos e, finalmente, formação de asas e genitália. Há exemplos em Orthoptera, Hemiptera, Homoptera.
  • Holometábolos (metamorfose completa): os jovens diferem radicalmente dos adultos quanto a forma geral, alimentação e tipo de vida. Há vários estágios: ovo, larva, pupa e adulto (imago). Há exemplos em Lepidoptera, Strepsiptera, Coleoptera, Hymenoptera, Diptera etc.
  • Referências bibliográficas:

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    Como citar esta página:

    CALOR, A. R. 2009. Insecta. Disponível em: Museu de Zoologia Virtual, Universidade Federal da Bahia, (http://www.mzufba.ufba.br/insetos.html). Capturado em dia/mês/ano com quatro dígitos.

MUSEU DE ZOOLOGIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA,
Instituto de Biologia, Rua Barão de Geremoabo, s/n, Campus Universitário de Ondina, 40170-915
Salvador, Bahia, Brasil. Telefone: 71 3283-6550.

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