Artrópodes

Scorpiones

(Etimologia: gr., skorpios = escorpião)
Autor: Tania Kobler Brazil, Ms. Museu de Zoologia, Departamento de Zoologia, Instituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia, Campus Universitário de Ondina, Rua Barão de Jeremoabo s/n, Ondina, 40170-115 Salvador, Bahia, BRASIL. E-mail: taniabn@ufba.br.

QUEM SÃO OS ESCORPIÕES?

Os escorpiões, também chamados de lacraus, são pequenos invertebrados do grupo dos artrópodes quelicerados que integram a Classe Arachnida, juntamente com as aranhas (Araneae), ácaros (Acari), opiliões (Opiliones) e outros sete grupos menos conhecidos popularmente. O nome quelicerados (Chelicerata) vem do grego (chele: unha, cerata: cornos) e faz referência ao formato do primeiro par de apêndices em forma de ferrão ou de quela, que todos eles têm. O vocábulo grego skorpios deu origem à palavra escorpião e ao termo latino que designa a Ordem à qual pertencem esses animais: Ordem Scorpiones.

Os aracnídeos constituem a maior e, do ponto de vista humano, a classe mais importante dos quelicerados, onde são conhecidas mais de 100.000 espécies. Destacam-se para os seres humanos como animais perigosos e de importância médica, pela capacidade de transmitir doenças ou causar danos a plantações agrícolas (ácaros), e/ou pela ação do veneno de algumas espécies (aranhas e escorpiões).

Como todos os aracnídeos, os escorpiões apresentam o corpo bem característico. Há sempre uma parte anterior, onde ficam a porção cefálica (que corresponde à cabeça) e os apêndices (8 patas, 2 queliceras e 2 palpos), chamada de prossoma (pro=primeiro e soma=corpo) ou de cefalotórax (cefalo=cabeça e torax=torax) e uma parte posterior, sem apêndices, chamada de opistossoma (opisto=atrás e soma=corpo) ou de abdômen. Nos escorpiões essas duas partes não estão separadas e não se percebe muito bem quando termina uma e começa a outra, porém, a segunda parte, o opistossoma, está dividido em uma porção anterior, chamada mesossoma (meso=meio, soma=corpo) e uma posterior e final, chamada metassoma (meta= posterior , soma=corpo). Esse metassoma tem uma forma diferente das anteriores, é comprida e roliça, como uma cauda e no final, apresenta uma modificação chamada de telson ou aguilhão (ferrão), onde estão alocadas as duas glândulas de veneno (Fig.1).


Figura 1.Morfologia externa de um escorpião - Tityus stigmurus (Família Buthidae): op, opistossoma; pr, prossoma; pa, pedipalpo; ql, quelicera; ol, olhos; te, telson; per IV, perna IV. (Foto: Tiago Jordão Porto).

A estrutura do corpo dos escorpiões é quase que padronizada, variando muito pouco em relação ao tamanho do corpo e às pequenas variações morfológicas de apêndices. O seu exoesqueleto quitinoso, quase uniforme em todos os segmentos permitiu a fossilização de seus ancestrais e, por isso, compreende-se hoje a sua origem marinha. A morfologia externa dos escorpiões viventes, cujo comprimento geralmente não ultrapassa 10 cm, ¬¬é de maneira impressionante semelhante aos fósseis do Siluriano, a 400 milhões de anos, quando estavam migrando para o ambiente terrestre, porém em tamanho muito maior ( 2 m).


Figura 2. Vista frontal (A) e ventral (B) do escorpião Tityus serrulatus: es, estigma ou espiráculo respiratório; et, esterno; pn, pentes; ol, olhos laterais; om, olhos medianos; op, opérculo genital; ql, quelíceras (Fotos: Tiago Jordão Porto).

Uma característica exclusiva dos escorpiões (nenhum outro aracnídeo tem) é a presença dos “pentes” (Figura 2– B), pequenas estruturas que parecem pentes e que servem para eles perceberem como é o substrato (chão) onde estão se deslocando. Isso é muito importante, porque os escorpiões não enxergam, seus pequenos olhos são primitivos (Figura 2-A) e só funcionam para perceber a luminosidade.

Entre as crendices populares, a mais antiga e conhecida é a de que os escorpiões se matam e o fato ficou sem explicação durante muito tempo. Um grande pesquisador do Instituto Butantan, chamado Wolfgang Bücherl (1971), esclareceu o fato demonstrando que os escorpiões morrem pelo calor e dessecamento de seu corpo ao tentar fugir, elevando a cauda mecanicamente em movimento de defesa. Além disso, demonstrou que a carapaça endurecida pela quitina é impossível de ser penetrada pelo acúleo (ferrão) do animal (Figura 3) e que o veneno do próprio escorpião não traz prejuízo ao mesmo animal, quando injetado.


Figura 3. Ferrão no telson de um escorpião mostrando uma gota de veneno saindo. Foto: Eduardo D.V., disponível em http://www.flickr.com/photos/eduardo-dv/3298038594/.

CLASSIFICAÇÃO

Os agrupamentos e relações de parentesco entre os escorpiões e outros grupos de aracnídeos e ainda dentro do próprio grupo ainda são muito discutidos entre os especialistas. Embora considerados como originados de um grupo ancestral comum a todos os aracnídeos, eles ainda são o foco principal de uma discussão muito controvertida. Existem até autores que indicam que eles se constituem como uma Classe e não como uma Ordem!. Os últimos estudos nesse sentido, de Soleglad & Fet (2003 e 2005), revelam a relação de parentesco entre as famílias de escorpiões viventes. Assim, preferimos considerar a indicação de Rein, J.O. (2009), que integra os 4 autores que mais se dedicaram a esse tipo de estudo (Michael Soleglad, Victor Fet, Lorenzo Prendini e Ward Wheeler) (Figura 4). Portanto, ainda consideramos os escorpiões agrupados em uma Ordem, a Ordem Scorpiones, com 14 famílias, 183 gêneros e aproximadamente 1800 espécies, as quais representam apenas 1,5% dos aracnídeos conhecidos, distribuídas em todos os continentes, com exceção da Antártida. A família mais numerosa em espécies é a Buthidae, com mais de 800 espécies (Figura 5). No Brasil ocorrem 125 espécies, agrupadas em 21 gêneros e 4 famílias (Buthidae, Bothriuridae, Chactidae e Ischnuridae) (Figura 6), em todas as regiões e biomas.


Figura 4. Cladograma ilustrando as relações de parentesco entre duas sub-ordens de escorpiões. Ordem: Scorpiones. Subordem: Neoscorpiones. Infraordem: Orthosterni. Parv-ordens: Pseudochactida, Buthida, Chaerilida, Iurida. Esta filogenia foi modificada de SOLEGLAD, M. E. & V. FET (2003). Fotos: anônimas (retiradas de http://www.flickr.com). = grupo extinto.

Figura 5. Escorpiões butideos: A, macho de Tityus aba; B, fêmea de T. costatus; C, macho de T. neglectus; D, fêmea de T. brazilae. (Fotos: Tiago Jordão Porto).

Figura 6. Filogenia adaptada de Stockwell, S.A. 1989. Os pontos em amarelo são as famílias que ocorrem no Brasil: Buthidae, Chactidae, Ischnuridae (= Liochelidae) e Bothriuridae, mostrando os representantes de espécies brasileiras (Rhopalurus rochai, Brotheas granulatus, Bothriurus rochai, Opistacanthus cayaporum). As dimensões dos espécimes foram alteradas e não são correspondentes.

UM POUCO DA HISTÓRIA NATURAL DOS ESCORPIÕES

Escorpiões costumam ser encontrados em frestas de rochas, cascas de árvores, troncos em decomposição, sob pedras, no interior de tocas, sob folhiço e em cavernas, escondendo-se de macacos, aves, anfíbios anuros e lagartos, seus principais predadores naturais. Ocorrem em todos os ecossistemas terrestres, com exceção da tundra, taiga de alta latitude, áreas boreais e em algumas áreas de elevada altitude, podendo ocorrer em picos de 5500 m nos Andes, encontrados até sob pedras cobertas de neve. Algumas espécies se adaptaram a vida em ambiente urbano onde encontram abrigo dentro e próximo das residências humanas, bem como alimentação farta.

Um dos aspectos mais interessantes nesses animais é o comportamento de corte que precede o ato reprodutivo. Após a aproximação o macho estimula a fêmea conduzindo-a em várias direções (semelhante a uma dança), segurando seus palpos, explorando o ambiente com os pentes à procura da superfície adequada para efetuar a deposição do espermatóforo (uma espécie de filamento que contém o líquido espermático). O macho abaixa seu mesossoma até que seu orifício genital toque o substrato escolhido, deposita o espermatóforo e puxa a fêmea, posicionando-a adequadamente sobre ele. O opérculo genital da fêmea se abre enquanto ela se abaixa sobre o espermatóforo, permitindo que os espermatozóides entrem em seu trato reprodutivo e ocorra a fecundação.

Alguns escorpiões reproduzem-se assexuadamente por partenogênese, ou seja, desenvolvem seus óvulos sem fecundação de um macho. As ninhadas, incluindo espécies de reprodução sexuada e assexuada, podem ser de 1 a 105 filhotes, que irão manter-se no dorso da mãe (cuidado parental) até a primeira ou segunda muda, quando se dispersam, e isso leva de 5 a 30 dias, dependendo da espécie.


Figura 7.Exemplos de aspectos sobre História Natural de alguns escorpiões: A, espermatóforo de T. brazilae; B, fêmea de T. mattogrossensis com filhotes após realizarem a primeira muda; C, escorpião partenogenético T. serrulatus com filhotes no dorso; D, T. kuryi comendo uma aranha da família Lycosidae; E, corte de T. neglectus (Fotos: Tiago Jordão Porto).

ESPÉCIES DE IMPORTÂNCIA MÉDICA

Todos os escorpiões são venenosos e têm como inocular o veneno, porém apenas 2% de todas as espécies são capazes de causar acidentes graves (cerca de 25 espécies da família Buthidae) ou que necessitem de intervenção médica. Os escorpiões de importância médica do Brasil pertencem unicamente ao gênero Tityus e os casos graves ou fatais de envenenamento estão relacionados basicamente a três espécies: T. bahiensis, T. serrulatus e T. stigmurus. A evolução do veneno destes animais está associada com a captura e digestão da presa, e apenas secundariamente relacionada com a defesa.


Figura 8. 1, Tityus serrulatus. 2, Tityus stigmurus. 3, Tityus bahiensis. Fotos: as três primeiras, de Tiago Jordão Porto e a quarta, de Yuri Messas, retirada do site http://www.flick.com.

A velocidade e quantidade de conhecimento gerado nos últimos 50 anos têm sido muito grandes e de difícil acompanhamento. Se você tem interesse especial neste assunto pode acessar, pela Internet, a Sociedade Internacional de Arachnologia (www.arachnology.org), o Projeto Árvore da Vida (http://tolweb.org/tree/araneae/) ou os mais específicos: http://www.ub.ntnu.no/scorpion-files/ e http://scorpion-files.blogspot.com/ (web sites em inglês).

Referências bibliográficas:

BROWNELL, P.; POLIS, G. Scorpion Biology and Research. New York: Oxford University Press, 2001. 431 p.
BUCHERL, W. Acúleos que matam: no mundo dos animais peçonhentos. São Paulo . Ed. Melhoramentos, 1971, 144 p.
CARDOSO, J.L.C.; FRANÇA, F.O.S., WEN, F.H., MÁLAQUE, C.M.S., HADDAD, V. Animais Peçonhentos no Brasil: Biologia, Clínica e Terapêutica dos Acidentes. 1 ed. São Paulo: Sarvier, Fapesp, 2003. p. 182-197
CLOUDSLEY-THOMPSON, J.L. Scorpions and spiders in mythology and folklore. In: FET, V.; SELDEN, P.A. Scorpions 2001: In Memoriam Gary A. Polis. Burnham Beeches, Bucks: British Arachnological Society, 2001. p. 391-402.
CODDINGTON, J.A.; COLWELL, R.K. Arachnida. In: LEVIN, S.C. (Org.). Encyclopedia of Biodiversity. New York: Academic Press, 2001. p. 199–218.
FET, V., SISSOM, W.D., LOWE, G.; BRAUNWALDER, M.E. Catalog of the Scorpions of the World (1758-1998). New York: New York Entomological Society, 2000. 690 p.
FET, V. & M. E. Soleglad Contributions to scorpion systematics. I. On recent changes in high-level taxonomy. Euscorpius 31:1-13, 2005.
HARVEY, M.S. The neglected cousins: What do we know about the smaller Arachnid orders? Journal of Arachnology, v. 30, n. 2, p. 357-372, 2002.
LOURENÇO, W. R. Scorpions of Brazil. Les Editions de l’IF, Paris, 320pp. 2002.
LOURENÇO, W.R. Parthenogenesis in scorpions: some history – new data. Journal of Venomous Animals and Toxins including Tropical Diseases, Botucatu, V. 14, n. 1, p.19-44, 2008.
MINISTÉRIO DA SAÚDE - Fundação Nacional da Saúde. Escorpionismo. In: Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos, 2 ed., Brasília, 2001. p 37-44.
POLIS, G.A. The Biology of Scorpions. Stanford: Stanford University Press, 1990a. 587p.
PRENDINI L. W., WHEELER C. Scorpion higher phylogeny and classification, taxonomic anarchy, and standards for peer review in online publishing. Cladistics v. 30, p. 446–494, 2005.
REIN, J. O. 2009. The Scorpion Files. Norwegian University of Science and Technology, online at http://www.ub.ntnu.no/scorpion-files/
SOLEGLAD, M. E. & V. Fet. High-level systematics and phylogeny of the extant scorpions (Scorpiones: Orthosterni). Euscorpius, 11: 1–175, 2003.

Links recomendados:

  1. Museu de Zoologia da Universidade Federal da Bahia: http://www.mzufba.ufba.br;
  2. NOAP – Núcleo Regional de Ofiologia e Animais Peçonhentos: http://www.noap.ufba.br;
  3. Tree of Life Web Project: http://tolweb.org/tree/phylogeny.html;
  4. The International Society of Arachnology: http://www.arachnology.org/;
  5. The Scorpion Files: http://www.ub.ntnu.no/scorpion-files/;
  6. Scorpion Blog: http://scorpion-files.blogspot.com/;
  7. The IUCN Red List of threatened species: http://www.iucnredlist.org/;

Como citar esta página:

BRAZIL, T.K. 2009. Scorpiones. Disponível em: Museu de Zoologia Virtual, Universidade Federal da Bahia, (http://www.mzufba.ufba.br/escorpiões.html). Capturado em dia/mês/ano com quatro dígitos.

MUSEU DE ZOOLOGIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA,
Instituto de Biologia, Rua Barão de Geremoabo, s/n, Campus Universitário de Ondina, 40170-915
Salvador, Bahia, Brasil. Telefone: 71 3283-6550.

Melhor visualizado em 1024px x 768px - Internet Explorer 7 (ou superior), Chrome, Firefox.