OS ARTRÓPODES

Os primeiros artrópodes (Filo Arthropoda) surgiram a mais de um bilhão de anos, nos mares do Pré-Cambriano e, a partir de um provável ancestral único e exclusivo, estes animais passaram por uma enorme irradiação evolutiva, ocupando atualmente os mais variados ambientes no planeta. Esta incomparável diversidade é indicada pelas mais de um milhão e duzentas mil espécies conhecidas para o grupo, representando cerca de 85% de toda a diversidade animal e isto deve-se ao impressionante sucesso evolutivo apresentado pelo táxon. Estudos mais recentes sugerem que este número pode, de fato, até mesmo ultrapassar os cem milhões de espécies. Como comparação, todos os mamíferos não alcançam o número de cinco mil espécies conhecidas.

Análises da morfologia e/ou baseadas em dados moleculares têm indicado fortemente a origem única para os artrópodes (origem monofilética para o grupo). Isto porque as muitas espécies do táxon compartilham características únicas e exclusivas (sinapomorfias), ou seja, características que só os artrópodes apresentam. Tais caracteres surgiram durante a evolução dessa espécie ancestral em um processo que pode ser denominado de artropodização e parecem ter proporcionado a construção de um plano-básico extremamente eficiente e que a partir dele, embasado nele, ocorreu uma imensurável diversificação com extremo sucesso.

Entre os artrópodes são encontrados os Quelicerados, cujo grupo principal são os Aracnídeos, como as aranhas os escorpiões e os carrapatos, os Crustáceos, como o camarão, o siri e a lagosta, os Miriápodos, como as lacraias e os piolhos-de-cobra, e os Insetos, como as baratas, os piolhos, as abelhas, as borboletas e as moscas. Além destes quatros grandes grupos, também são artrópodes os Trilobitos, grupo de animais fósseis que apresentaram grande diversidade (algo em torno de 4.000 espécies) a cerca de 400 milhões de anos atrás.

O Processo de Artropodização

Durante a evolução de uma determinada espécie ocorrem modificações em sua forma ao longo do tempo, com o surgimento de novos estados de suas características pela ocorrência de mutações e a fixação de tais novos estados modificados na espécie devido à adaptação e à seleção natural. É o que entendemos por evolução anagenética (processo de anagênese). No caso dos artrópodes ocorreu, durante a anagênese de sua espécie ancestral, o que podemos chamar de artropodização, ou seja, este ancestral “tornou-se artrópode”. Mas, o que isso significa?

Sugere-se atualmente que este ancestral, no início de sua anagênese, deveria ser um animal anelidiforme, ou seja, como um anelídeo (p.ex., minhoca): corpo mole alongado circular, vermiforme, formado por uma série de segmentos anelares homonomorfos (com formato igual), sem apêndices (p.ex., patas) ou no máximo com apêndices rudimentares não articulados, esqueleto interno (endoesqueleto) líquido e com cabeça pouco distinta do resto do corpo. Então, ao longo de sua anagênese este ancestral passaria pelo processo de “tornar-se um artrópode”, ou seja, acumularia uma série de transformações em sua morfologia que o levaria a um plano-básico artropodiforme. E quais seriam estas transformações?

Este animal passaria a apresentar um esqueleto externo (exoesqueleto) rígido, pelo endurecimento de sua cutícula, o qual lhe conferiria uma grande vantagem contra eventuais predadores e contra choques mecânicos. Também se desenvolveriam apêndices articulados, ou seja, apêndices formados por várias partes móveis, os artículos. Em princípio, deveria ocorrer um par de apêndices em todos os segmentos formadores do corpo do animal. Estes apêndices apresentariam inicialmente uma função locomotora, mas, rapidamente, alguns anteriores devem ter se transformado para uma função alimentar. Estes apêndices associados à musculatura estriada, em feixes geralmente antagônicos, passaram a apresentar uma movimentação mais rápida e forte, permitindo uma maior eficiência nos deslocamentos deste animal, bem como na manipulação do alimento. Ou seja, este animal agora se locomove mais eficientemente, fugindo de predadores, encontrando mais rapidamente parceiros para a reprodução e capturando presas, ou outros tipos de alimento, de forma mais contundente, neste caso também auxiliado pelos apêndices alimentares. Finalmente, este ancestral deve ter apresentado uma maior cefalização, ou seja, sua cabeça aparece como uma região mais distinta do resto do corpo, com concentração de estruturas sensoriais (por exemplo, olhos, antenas, cerdas, etc.). Isto permitiu uma melhor percepção do ambiente ao redor, novamente auxiliando na fuga de predadores, na captura de alimentos, etc.

Concluindo, durante o processo de artropodização, o ancestral dos artrópodes deve ter se transformado de um animal mole, lento, com estruturas locomotoras e alimentares pouco eficientes, com uma percepção restrita do ambiente, em um animal com exoesqueleto rígido protetor, rápido e mais eficiente na captura e manipulação dos alimentos devido aos apêndices articulados locomotores e/ou alimentares, e com uma evidente melhor percepção do ambiente. Tudo isso combinado formou um plano-básico corpóreo extremamente eficiente, que permitiu a partir dele uma grande irradiação adaptativa, proporcionando um enorme sucesso evolutivo ao grupo, evidenciado hoje em dia pela riqueza de espécies observada e pelos incontáveis ambientes naturais ocupados.

O Relacionamento dos Artrópodes entre os Animais

Existe praticamente um consenso entre os pesquisadores de que os artrópodes seriam mais relacionados com um pequeno grupo de invertebrados, os Tardígrados, com os quais compartilhariam um ancestral comum e exclusivo, formando, portanto, um grupo monofilético. Em seguida, este grupo formado pelos artrópodes e os tardígrados seria mais relacionado com um outro pequeno grupo de invertebrados, neste caso vermiformes, os Onicóforos. Muito autores atuais reúnem estes três grupos em um táxon denominado Panarthropoda.

Para a posição filogenética, ou seja, de parentesco, dos Panarthropoda duas são as hipóteses mais frequentemente encontradas na literatura. Uma é mais antiga, tradicional, e vem perdendo força nos últimos anos. É aquela denominada de Hipótese dos Articulata, e agrupa os Panarthropoda com os anelídeos devido, principalmente, à metamerização do corpo, ou seja, os animais apresentarem seus corpos formados por metâmeros, os segmentos que se repetem ao longo do eixo longitudinal do animal. A outra hipótese para relacionamento dos Panarthropoda é aquela denominada Hipótese dos Ecdisozoa, e agrupa os Panarthropoda com os Blastocelomados (antigos “Asquelmintos”) que realizam ecdise, ou seja, que realizam trocas periódicas de sua cutícula. Esta hipótese tem sido corroborada por análises com dados moleculares e tem sido mais aceita nos últimos anos.

O Relacionamento entre os Grupos de Artrópodes

Como discutido anteriormente, existe um virtual consenso sobre a origem única, monofilética, para os artrópodes. Ou seja, a grande maioria dos pesquisadores atuais aceita a hipótese de que tenha existido um ancestral único e exclusivo para todos os artrópodes. Entretanto, é grande a discussão acerca do relacionamento de parentesco entre os grandes grupos de artrópodes. Neste caso, são três as principais hipóteses atualmente consideradas. A primeira é denominada Hipótese dos Schizoramia (ou TCC) e divide os artrópodes em dois grupos maiores, sendo um formado pelos Trilobita, pelos Chelicerata e pelos Crustacea (cujas letras iniciais formam o grupo “TCC”) e o outro formado pelo Myriapoda mais os Insecta (em conjunto formando o grupo denominado Uniramia). Esta hipótese baseia-se principalmente no ambiente primitivo que vivem os grupos e na natureza básica dos apêndices articulados, onde os “TCC” habitariam primariamente os mares e apresentariam apêndices birremes enquanto que os Uniramia habitariam o ambiente terrestre e teriam apêndices unirremes. Daí o nome Uniramia. Esta é atualmente a hipótese menos aceita entre as três. A segunda é denominada Hipótese dos Mandibulata e divide os artrópodes em dois grupos, sendo o primeiro denominado de Arachnata e formado pelos Trilobita mais os Chelicerata, devido a trilobitação, ou seja, a divisão longitudinal do corpo do animal em três lobos (bem visível nos Trilobita), e o segundo grupo denominado de Mandibulata, formado pelos Crustacea mais os Uniramia (Myriapoda + Insecta), devido aos apêndices do terceiro segmento cefálico aparecerem como mandíbulas. Os defensores desta hipótese geralmente denominam os Uniramia de Tracheata ou Atelocerata. A terceira hipótese é a mais recente e denominada de Hipótese dos Pancrustacea. Ela é parecida com a dos Mandibulata, sendo que aproxima os crustáceos dos insetos e não os miriápodos. Inclusive, geralmente os defensores desta hipótese acreditam que os crustáceos formam um grupo parafilético, com um ancestral único, mas não exclusivo. Esta hipótese é sustentada principalmente por dados moleculares e a sua aceitação obriga ao aceite do surgimento múltiplo, em homoplasia, para uma série de características encontradas nos miriápodos e nos insetos, como a presença de traquéias para a respiração e de túbulos de Malpighi para a osmorregulação, bem como a perda dos apêndices do segundo segmento cefálico.

Como citar esta página:

MAZZAROLO, L. A. 2009. Os artrópodes. Disponível em: Museu de Zoologia Virtual, Universidade Federal da Bahia, (http://www.mzufba.ufba.br/artropodes.html). Capturado em dia/mês/ano com quatro dígitos.

MUSEU DE ZOOLOGIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA,
Instituto de Biologia, Rua Barão de Geremoabo, s/n, Campus Universitário de Ondina, 40170-915
Salvador, Bahia, Brasil. Telefone: 71 3283-6550.

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